OUVINDO ESTRELAS...
Elen de Moraes Kochman
Parece que foi ontem! Ainda te vejo embaraçada e sorridente
entre o farfalhar das folhas outonais, amarelecidas, que coalhavam o chão
daquela pracinha e o assovio do vento que, brincalhão, rodopiava por entre as
árvores centenárias, remexia os teus cabelos e fazia esvoaçar a tua roupa. Sem
entender a tua preocupação, me divertia com o esforço inútil que fazias, ora em
tirar as mechas revoltas do rosto, ora em segurar a saia ampla, de tecido
sedoso e flores miúdas, junto ao copo frágil e delicado, com a intenção de
protegê-lo dos olhares curiosos.
Minhas mãos de inocência, buscando te ajudar, procuravam
desviar a direção do vento para que não desmanchasse os cachos dourados que
escorregavam pelos teus ombros e reluziam, preguiçosamente, sob os raios
mortiços do sol, naquelas manhãs de abril. O teu jeito altivo e seguro,
que tanto admirava, dava-me certeza da tua proteção e de como estavas atenta a
tudo que acontecia à nossa volta.
Achava maravilhoso aquele teu meio sorriso sem abrir os
lábios, que ressaltava as covinhas que se formavam ao lado da tua boca, que eu
apertava, às gargalhadas, só para sentir teus beijos nas minhas bochechas
afogueadas. Tudo em ti era bonito e assentido por mim. Só os teus longos
silêncios eu não aprovava, porque o som da tua voz me era tão bonito e
melodioso quanto o doce som das águas que rolavam sobre as pedras da pequena
cascata do parque, que eu não cansava de ouvir.
Quando reclamava tua atenção, me abraçavas pedindo que eu
fosse brincar, dizendo querer aproveitar aqueles instantes a sós, para
conversar com a tua alma. Um muxoxo e uma sacudidela de ombros eram meus sinais
de descontentamento. O trinado dos pássaros, os galhos pesados das velhas
árvores balançando suas copas, umas de encontro às outras, sim, esses sons eu
distinguia, no entanto, tua alma envolta em mistérios, não conseguia ouvir.
Entre magoada e distraída, seguia o movimento do teu dedo
indicador sobre os teus lábios, numa delicada exigência de silêncio. Teus olhos
pediam, uma vez mais, que eu não risse alto, não fizesse tantas perguntas ou
pisasse com tanta força nas folhas mortas, batendo os pés, como gostava de
fazer, para ouvi-las chiar.
Sem me dar conta, prendia a respiração enquanto policiava os
teus olhos que se soltavam dos meus e se voltavam em direção ao céu e ali
permaneciam, perscrutando a imensidão. Insistia, querendo saber sobre tua alma
e sem nenhum resquício de impaciência, apontavas para meu peito e dizias que
ali morava minha alma, porém, para ouvi-la, teria que conversar com as
estrelas. Cada vez eu entendia menos, porque não via estrelas no céu durante o
dia. Explicavas que elas estavam lá, mesmo que não as víssemos.
Depois de tantas e complicadas perguntas e das tuas
respostas sem nexo para o meu néscio entendimento, distraía-me correndo, ora
atrás das numerosas borboletas pousadas na grama, ora tentando agarrar as
folhas que se desprendiam dos galhos e voavam levadas pelo vento. Algumas vezes
interrompia minhas brincadeiras e as tuas silenciosas conversas, para que
prendesses uma flor nos meus cabelos cinza, encaracolados, tão sem graça e tão
diferentes dos teus!
Vigiava-te de longe: tinha medo que o vento te levasse, tinha medo que o som da
tua alma te encantasse e que partisses em busca de alguma coisa que eu não
sabia definir, mas que vivias a procurar. Às vezes tinha a impressão de te
ouvir falando sozinha; outras, lágrimas pareciam toldar teus belos olhos cor de
mel. Nesses momentos, corria para os teus braços achando que uma “fada” pudesse
te encantar e te levar de mim. Com esses pensamentos, pendurava-me em teu
pescoço e te apertava de encontro ao meu coração, para que não fugisses. Então,
num gesto de carinho, encolhia meu pescoço para reter tua cabeça junto à minha.
Como era gostoso, naqueles instantes, sentir teus braços protetores ao redor da
minha cinturinha de criança!
As horas não eram intermináveis porque não as contávamos.
Simplesmente aconteciam. Foram tantas manhãs, tantos abraços, tantos
sorrisos... e tantas crianças que chegaram naquela casa! E tantos anos que se
passaram...
Teus cachos dourados deram lugar ao prateado dos cabelos
curtos; teu corpo esguio e perfeito, curvou-se levemente; teu andar
desacelerou-se e o teu meio sorriso perdeu-se em divagações, sem, no entanto,
deixar de lado a ternura de sempre.
Ainda te vejo conversando baixinho... Talvez, agora, com as
três “crianças” - das seis que povoaram tua vida – e que, apressadas, partiram,
deixando-te atônita, com a dor estampada no olhar, cujo brilho o tempo não
apagou e que, muitas vezes, imerge nas lágrimas abundantes que não consegues
controlar.
Agora, já não corro atrás das borboletas, nem tento impedir
que o vento faça esvoaçar os teus cabelos, tampouco tenho medo que uma “fada
madrinha” te roube. Entretanto, com firmeza, entrelaço minhas mãos nas tuas,
amorosamente, para reter-te, porque tenho medo, isto sim, de me perder de ti,
antes que nosso tempo termine.
Hoje posso ouvir o teu silêncio e conversar com as estrelas,
sem estranhamentos, em pleno dia... e escutar, mãezinha querida, os inefáveis
sons da tua alma, quando se desprendem do teu peito e se elevam aos céus, em
feitio de oração.
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