Elen de Moraes Kochman
“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se
deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser
humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo
começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante,
vai ser diferente". Carlos Drumond de Andrade, poeta e escritor brasileiro,
foi muito feliz com esta citação.
Pensando
sobre o assunto, um final é sempre triste, porque nos fecha uma porta de algum
modo, e seja lá o que for que tenha ficado para trás – um amor, um emprego, um
casamento, um amigo – nos traz desconforto,
porque sabemos que o que passou, passou, é passado. E mesmo que no futuro haja reencontros, reconciliação, “naquele”
momento só nos damos conta - e nos deprime - a sensação de perda. O único final que nos enche de contentamento é o de um ano, salvo raras exceções. Não sabemos aonde as pessoas buscam
energia para participar de tantas festas! Dão presentes, recebem convidados, gastam o que não podem, e sentem, por vários motivos, alegria por
despachar, nos últimos minutos, todas as suas angústias e tudo o mais que não
deu certo em doze meses, para então festejar a chegada de um novo tempo.
E
tem razão o poeta Drumond: vemos morrer um velho ano, que leva consigo nossas frustrações e perdas e vemos nascer uma nova época. Com ela, a esperança de fazer acontecer
uma nova vida. Então fazemos planos, traçamos metas, prometemo-nos tantas
coisas e, otimistas, sonhamos. E há coisa melhor para um corpo cansado, um
coração magoado e uma alma esperançosa, do que sonhar?
Sonhar, eis a questão! Não correr atrás dos sonhos, eis a razão para
entrar ano e sair, sem que os mesmos se realizem. Esse nosso desejo de chegada
e saída dos anos, vezes sucessivas, sempre mais rápido, é o nosso grande
paradoxo. Se os anos se esticam, é sinal de que vivemos mais e, na nossa
ansiedade de realizações, queremos que passem mais céleres ainda. E torcemos
para que a engrenagem do tempo agilize seus passos. No entanto, assim, envelhecemos!
Depois, desejamos ardentemente que ela, por milagre, perca a força e pare.
Quantas vezes dizemos que daríamos tudo para o tempo voltar e trazer a
felicidade perdida.
Ouvimos
pessoas se referirem, com tristeza, à vida que não viveram, ao amor que não
assumiram, a um filho que não acompanharam o crescimento ou lamentarem um ente
querido que partiu e que esqueceram depressa demais. Houve uma época em que
vivi nesse torvelinho de festas, luzes, comidas, champanhe,
alegria, família, amigos, etc., na ultima noite do ano. Entretanto, o dia seguinte
amanhecia envolto numa capa de melancolia
e cansaço. Era desprazer com o que sobrara, mal estar espiritual, fome de ser e estar diferente. E resolvi mudar
os meus finais de ano. Ultimamente, por opção, eu os passo sozinha em meu
apartamento, olhando os fogos ao longe, ouvindo os sons dessa noite maravilhosa
e o cântico da cidade. Fico só, mas não me sinto só. Faço meu balanço, assumo minhas
perdas e não reclamo dos meus lucros, mesmo se pequenos. E mais: não
reparto as horas, não mais divido minhas emoções no antes e no depois. Hoje, simplesmente, vivo inteira e intensamente e sempre
...acordo
o tempo
antes
de a noite escoar,
para
que tenha mais tempo
de
outros sonhos sonhar.
Caminho
no beiral do dia,
onde
a vida se refaz
em
gomos de fantasia...
Sou
otimista e os meus desejos são, ainda, como os da minha juventude, porque, afinal,
o ano é novo e a engrenagem do tempo se liberta do peso do passado, acelera
seus passos e nos permite uma nova chance, um recomeço, seja em que idade for.
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"Somethings in the rain" - playlist da série
domingo, 29 de dezembro de 2013
Ano Novo: RECOMEÇAR, EM QUALQUER IDADE - Elen de Moraes Kochman - Publicado no jornal "Tribuna Portuguesa" da CA
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