Era uma vez...
uma garota gorda.
Elen de Moraes kochman
Quando se conta uma história, geralmente inicia-se por “era uma vez...”, porém, hoje começo dizendo que “esta é a vez...” da bela desta história!
Desde cedo, Karla pouco se sentiu feliz e com o tempo desistiu de tudo e se escondeu atrás dos quilos de gordura que se apossavam do seu corpo e se acumulavam, à medida que os anos passavam. Sua ansiedade se tornava mórbida. Talvez a historia ficasse mais interessante se eu a fantasiasse com bruxas más e príncipes encantados, mas, ao contrário dos contos, a “princesa” em questão era bem comum, nascida num lar bem estruturado, um bebê esperado e amado ao extremo. Pode ser que o amor excessivo tenha desencadeado o processo da sua obesidade, uma vez que nada lhe era negado por ser filha única e porque para alguns pais e avós, criança sadia é criança “fofinha”. Até nos anúncios de TV e revistas não se vê crianças magras (ou não se via).
Por trabalharem, seus pais deixavam-na aos cuidados de uma babá que se encarregava do preparo da sua alimentação e lhe servia refrigerantes, massas, sanduíches e biscoitos, ao invés de uma comida saudável, contrariando as orientações do Pediatra. Os finais de semana se tornavam conflitantes, porque sua mãe não conseguia convencer a filha a comer legumes, verduras, frutas e sucos naturais, uma vez que a menina se acostumara ao paladar das guloseimas.
Cedo resolveram matriculá-la num “jardim de infância” para conviver com outras crianças e ter atividades físicas. A menina descobriu-se diferente ao receber apelidos pejorativos dos coleguinhas e ao ouvir exclamações de espanto, na rua, sobre suas perninhas grossas. Os meninos atormentavam-na bem mais do que as meninas. Karla criou seu mundo de faz de conta, não permitindo que dele alguém participasse, a não ser uma amiga com quem mantém amizade até hoje e que se tornou sua confidente. Naquele “esconderijo” sentia-se bem. Não se relacionava com as crianças do prédio onde morava, pois nessa época, já aos cuidados da avó materna, primeiro, não tinha permissão para sair e segundo, por ela mesma se sentir desconfortável. Assim foi que desistiu das festinhas próprias da sua idade e desenvolveu mania de perseguição, pois em todos os lugares aonde ia, parecia-lhe ouvir risos e cochichos sobre ser gorda. No entanto, Karla tinha um sonho: ser “prima ballarina” do Teatro Municipal e cantar em musicais. Seus pais viram nesse desejo nova oportunidade da filha se interessar por uma dieta, se exercitar e emagrecer. E foi assim que Karla passou a estudar ballet aos seis anos. Ali, também foi motivo de brincadeiras cruéis. Aos doze anos, ouviu de sua professora que, por ser gorda, jamais seria bailarina. Engoliu a decepção, desligou-se da escola de dança e se permitiu rios de lágrimas pelos sonhos desfeitos. Foi um período complicado: apaixonou-se por um garoto que era quem mais fazia chacotas com sua aparência. Nunca lhe falou sobre seus sentimentos. Desistiu do amor e de ter namorados, por todos os anos seguintes. Ainda adolescente viu-se às voltas com uma disfunção hormonal da tireóide e embora tenha imediatamente começado um tratamento, o distúrbio só contribuiu para descontrolar bem mais o seu peso. Seus pais jamais desistiram de ajudá-la, porém, com o tempo, também engordaram e a luta contra a balança, agora, era de toda família. Karla tentou varias dietas sem sucesso: emagrecia e engordava o dobro. Mudaram-se do Rio de Janeiro para uma cidade serrana e entre a solidão e a saudade, bateu a depressão e com ela a vontade de mais comer. Nesse mesmo ano começou a cursar Odontologia e numa de suas férias realizou outro sonho que era o de trabalhar uma temporada na Disney. Por não emagrecer, passou a questionar-se sobre a hipótese de uma cirurgia para diminuir o estomago. Relutava porque, paradoxalmente, queria ser magra comendo bem. O tempo voou e no penúltimo ano da sua faculdade, resolveu que no baile de formatura estaria magra. Marcou a operação. Aproveitou uma viagem de seus pais a Portugal, tratou dos exames, risco cirúrgico, teve reunião com cirurgião e anestesista e dez dias depois do retorno dos seus pais, aos 22 anos, com 1,71 de altura e pesando 130 quilos, Karla foi operada. No pós operatório teve assistência de sua mãe. Karla diz que não dá para fazer uma cirurgia aberta, desse porte, sem que uma pessoa dedicada e paciente, esteja ao lado. Seis meses após, ela havia tirado do seu corpo 30 quilos. Um ano depois teve que remover a vesícula e hoje, passados dois anos, jogou fora um total de 57 quilos. Atualmente, estabilizado seu peso, inicia nova etapa: a de conseguir uma cirurgia plástica para modelar suas pernas. Karla nos conta o final da sua história: “Estou estagiando como professora de Jazz. Voltei ao sapateado e ballet. Encenei duas peças de teatro e sonho com a Broadway, mesmo sabendo do quanto preciso me preparar para chegar La!! Voltei às minhas aulas de canto. Parei de trabalhar como dentista, tenho que me decidir sobre isso. Não deveríamos fazer escolhas baseados só no presente. O que eu quero muito fazer, pode não dar mais tempo, porém, mesmo assim vou correr atrás dos meus palcos que é onde sempre quis e quero estar. Um recado para quem enfrenta os problemas que tive: ninguém poderá te ajudar se não tiveres sonhos para realizar!” |
Nota:
Fiz essa matéria em outubro de 2010.
Hoje, Karla faz pós-graduação e trabalha em seu consultório dentário.
Paralelamente, participa de um grupo de teatro e já encenou
algumas peças na cidade onde mora.
Ensaia, atualmente, um musical cuja estreia, no Rio de Janeiro,
será em março de 2013.
será em março de 2013.
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