"Somethings in the rain" - playlist da série

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

SAUDADE DO TEU ABRAÇO, de ouvir estrelas - Elen de Moraes Kochman -



OUVINDO ESTRELAS...

Elen de Moraes Kochman

Parece que foi ontem! Ainda te vejo embaraçada e sorridente entre o farfalhar das folhas outonais, amarelecidas, que coalhavam o chão daquela pracinha e o assovio do vento que, brincalhão, rodopiava por entre as árvores centenárias, remexia os teus cabelos e fazia esvoaçar a tua roupa. Sem entender a tua preocupação, me divertia com o esforço inútil que fazias, ora em tirar as mechas revoltas do rosto, ora em segurar a saia ampla, de tecido sedoso e flores miúdas, junto ao copo frágil e delicado, com a intenção de protegê-lo dos olhares curiosos.

Minhas mãos de inocência, buscando te ajudar, procuravam desviar a direção do vento para que não desmanchasse os cachos dourados que escorregavam pelos teus ombros e reluziam, preguiçosamente, sob os raios mortiços do sol, naquelas manhãs de abril. O teu jeito altivo e seguro, que tanto admirava, dava-me certeza da tua proteção e de como estavas atenta a tudo que acontecia à nossa volta.

Achava maravilhoso aquele teu meio sorriso sem abrir os lábios, que ressaltava as covinhas que se formavam ao lado da tua boca, que eu apertava, às gargalhadas, só para sentir teus beijos nas minhas bochechas afogueadas. Tudo em ti era bonito e assentido por mim. Só os teus longos silêncios eu não aprovava, porque o som da tua voz me era tão bonito e melodioso quanto o doce som das águas que rolavam sobre as pedras da pequena cascata do parque, que eu não cansava de ouvir.

Quando reclamava tua atenção, me abraçavas pedindo que eu fosse brincar, dizendo querer aproveitar aqueles instantes a sós, para conversar com a tua alma. Um muxoxo e uma sacudidela de ombros eram meus sinais de descontentamento. O trinado dos pássaros, os galhos pesados das velhas árvores balançando suas copas, umas de encontro às outras, sim, esses sons eu distinguia, no entanto, tua alma envolta em mistérios, não conseguia ouvir.

Entre magoada e distraída, seguia o movimento do teu dedo indicador sobre os teus lábios, numa delicada exigência de silêncio. Teus olhos pediam, uma vez mais, que eu não risse alto, não fizesse tantas perguntas ou pisasse com tanta força nas folhas mortas, batendo os pés, como gostava de fazer, para ouvi-las chiar.

Sem me dar conta, prendia a respiração enquanto policiava os teus olhos que se soltavam dos meus e se voltavam em direção ao céu e ali permaneciam, perscrutando a imensidão. Insistia, querendo saber sobre tua alma e sem nenhum resquício de impaciência, apontavas para meu peito e dizias que ali morava minha alma, porém, para ouvi-la, teria que conversar com as estrelas. Cada vez eu entendia menos, porque não via estrelas no céu durante o dia. Explicavas que elas estavam lá, mesmo que não as víssemos.

Depois de tantas e complicadas perguntas e das tuas respostas sem nexo para o meu néscio entendimento, distraía-me correndo, ora atrás das numerosas borboletas pousadas na grama, ora tentando agarrar as folhas que se desprendiam dos galhos e voavam levadas pelo vento. Algumas vezes interrompia minhas brincadeiras e as tuas silenciosas conversas, para que prendesses uma flor nos meus cabelos cinza, encaracolados, tão sem graça e tão diferentes dos teus! 

Vigiava-te de longe: tinha medo que o vento te levasse, tinha medo que o som da tua alma te encantasse e que partisses em busca de alguma coisa que eu não sabia definir, mas que vivias a procurar. Às vezes tinha a impressão de te ouvir falando sozinha; outras, lágrimas pareciam toldar teus belos olhos cor de mel. Nesses momentos, corria para os teus braços achando que uma “fada” pudesse te encantar e te levar de mim. Com esses pensamentos, pendurava-me em teu pescoço e te apertava de encontro ao meu coração, para que não fugisses. Então, num gesto de carinho, encolhia meu pescoço para reter tua cabeça junto à minha. Como era gostoso, naqueles instantes, sentir teus braços protetores ao redor da minha cinturinha de criança!

As horas não eram intermináveis porque não as contávamos. Simplesmente aconteciam. Foram tantas manhãs, tantos abraços, tantos sorrisos... e tantas crianças que chegaram naquela casa! E tantos anos que se passaram...

Teus cachos dourados deram lugar ao prateado dos cabelos curtos; teu corpo esguio e perfeito, curvou-se levemente; teu andar desacelerou-se e o teu meio sorriso perdeu-se em divagações, sem, no entanto, deixar de lado a ternura de sempre.

Ainda te vejo conversando baixinho... Talvez, agora, com as três “crianças” - das seis que povoaram tua vida – e que, apressadas, partiram, deixando-te atônita, com a dor estampada no olhar, cujo brilho o tempo não apagou e que, muitas vezes, imerge nas lágrimas abundantes que não consegues controlar.

Agora, já não corro atrás das borboletas, nem tento impedir que o vento faça esvoaçar os teus cabelos, tampouco tenho medo que uma “fada madrinha” te roube. Entretanto, com firmeza, entrelaço minhas mãos nas tuas, amorosamente, para reter-te, porque tenho medo, isto sim, de me perder de ti, antes que nosso tempo termine.

Hoje posso ouvir o teu silêncio e conversar com as estrelas, sem estranhamentos, em pleno dia... e escutar, mãezinha querida, os inefáveis sons da tua alma, quando se desprendem do teu peito e se elevam aos céus, em feitio de oração.


Para minha mãe
MariaGM



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